Você está aqui: Página Inicial / Rede / Revista Número / numero Sete / ENTREVISTA com Rodrigo Naves

ENTREVISTA com Rodrigo Naves

A revista número inaugura com a SETE uma série de entrevistas com duplas de críticos, historiadores ou curadores com o objetivo de refletir sobre diferentes modos de atuação e mostrar as posições e visões sobre a atividade da crítica, para além dos preconceitos e idéias feitas.

Entrevista com Rodrigo Naves


Número: Em primeiro lugar, gostaríamos que você falasse um pouco sobre sua formação...


Rodrigo Naves:
De saída, uma coisa que tem que ficar clara é que sou basicamente autodidata. Eu cresci numa cidade do interior, São José dos Campos, em que praticamente nunca tive nenhuma relação com artes visuais. Em 1973 vim para São Paulo cursar jornalismo na USP e, portanto, até então essa questão me era totalmente estranha. Embora não me fosse estranho gostar de escrever.

Em 1975 nós fizemos uma greve na ECA para tirar um diretor, e nessa época eu coordenava as atividades culturais do Centro Acadêmico. Foi neste momento que  conheci José Resende e Ronaldo Brito, que escrevia no jornal Opinião. Foi um pouco a partir desse contato que comecei a ter uma relação mais estreita com as artes visuais. Nesse sentido o Ronaldo foi muito decisivo para a minha formação, porque era uma pessoa com mais experiência, tinha um conhecimento da área muito forte, escrevia com freqüência sobre artes visuais e tinha uma posição diferenciada. Apesar de nossos textos terem embocaduras muito diversas, uma coisa que eu aprendi com Ronaldo – o que na época existia muito pouco por aqui – era um certo rigor. Com ele aprendi também que o contato com o trabalho de arte é mais decisivo do que uma relação livresca ou teórica. Isso nos levava a não fazer concessões, só escrever de quem gostássemos. Havia uma necessidade de forte de fazer opções muito marcadas. Claro que a gente podia errar na avaliação.

Em determinado momento passamos a funcionar como um grupo mais ou menos formal, e esse nós envolve eu, Ronaldo Brito, Paulo Venâncio, Paulo Sérgio Duarte, Tunga, Waltércio Caldas, Zé Rezende, Sophia Silva Telles e, posteriormente, Alberto Tassinari e Cildo Meireles, cujo projeto tácito era tentar promover, no sentido da compreensão, os trabalhos contemporâneos que fossem mais avançados, que não fizessem concessões ao meio e, simultaneamente, também produzir, na medida do possível, uma certa re-interpretação e re-hierarquização da arte moderna brasileira, que nós achávamos totalmente mal posta, mal selecionada.

Pouco depois em São Paulo, porque grande parte dessas pessoas morava aqui, também foi se criando um pólo particularmente importante pra mim. Ele envolveu de alguma maneira Zé Resende e muito fortemente Alberto Tassinari  Ainda para ficar nessas relações mais pessoais que a formação autodidata sempre envolve, pouco depois passei a ter um contato mais estreito com um pessoal mais jovem que estava produzindo: Nuno Ramos, Fábio Miguez, Rodrigo Andrade, Paulo Monteiro e Carlito Carvalhosa. Eles trouxeram um frescor novo para as discussões porque tinham uma vantagem. Além do fato de vários deles terem uma formação cultural bem razoável, não só artística, mas também filosófica e literária, também tinham uma capacidade de verbalização muito privilegiada. Isso fez com que nenhum dos críticos daqui se impusesse muito fortemente pois eles tinham esse controle verbal, digamos, mais desenvolvido do que de outros artistas. O que eu acho que nos deu uma espécie de resistência a um discurso apenas teórico, privilegiando o corpo a corpo com as obras.

De um ponto de vista menos pessoal, acho que tem duas ou três referências de leitura. Uma foi Argan porque eu sempre tive um certo interesse em fazer com que nas minhas análises, para além de tentar organizar formalmente o que me parecia específico do trabalho de arte, tentar fazer com que essa organização me propiciasse um vínculo da forma artística com outras experiências, com outros tipos de existência. Quando eu entrei em contato com os trabalhos do Argan aquilo pra mim foi, por um lado, confirmador; e também o acho uma pessoa particularmente talentosa, que me abriu para uma série de possibilidades e relações do trabalho de arte com outras experiências que para minha formação foi decisiva.

A partir dele fui identificando outros historiadores como Venturi, seu grande mestre, e fui tentar entender melhor o que era a teoria da visibilidade pura. Enfim, a partir das referências que ele propiciava, embora o texto do Argan dificilmente tenha notas.

Uma experiência que pra mim foi muito forte, porque, digamos, não mediada por livros, foi ter freqüentado em 1982 o curso de Robert Kudielka na Hochschule der Kunst em Berlim.  Ele tinha uma maneira de abordar o trabalho de arte que pra mim foi muito revelador, embora eu tivesse uma dificuldade com a língua. Neste sentido, os autores que me interessavam ao mesmo tempo se detinham muito atentamente na articulação do trabalho e, simultaneamente, conseguiam estabelecer entre essas articulações formais e outras esferas relações que me parecessem verdadeiras. No caso do Kudielka essa coisa se dava mais do ponto de vista filosófico.

Por outro lado eu também gostava muito do Greenberg, embora sem dúvida ele seja um cara que tenha um interesse menos marcado em relacionar o trabalho de arte com outras experiências. No entanto, foi o cara, dos que eu li, o que me pareceu mais talentoso para revelar o que era decisivo num trabalho de arte. Isso pra mim também foi muito marcante porque eu acho que stricto sensu, no que vem a ser um crítico de arte, eu não conheço ninguém melhor que Greenberg.


N: Ainda na questão do grupo, esses encontros eram informais?

RN: Absolutamente informais, a única atividade mais razoavelmente formal é que esse grupo já existia antes de eu conhecê-lo, numa outra configuração porque alguns deles tinham editado a revista Malasartes nos anos 70. E numa certa altura, quando começou a se configurar um outro grupo informal, a gente tentou fazer uma publicação, que teve um único número e se chamava A Parte do Fogo. E aí nas reuniões para produzir a revista tinha uma dimensão formal, com pauta. Mas de resto sempre foi uma coisa de conversa de bar, ou individual ou em grupo.

 

N: Antes de avançarmos nessas três referências, neste período que você se aproximou de Ronaldo Brito, Mário Pedrosa era umcrítico, particularmente no Rio de Janeiro, com uma atuação muito importante. Ele é uma referência de crítica para você?

RN: Olha, não pra mim. Para ser absolutamente franco, Mário Pedrosa não teve a menor influência no que eu fiz. Ronaldo gostava muito, respeitava. Eu sabia da importância, mas confesso que os textos dele nunca me tocaram. Contudo, acho que ele foi importante, suas escolhas foram importantes, em geral corretas.

Mas estaria mentindo se dissesse que alguma vez Mário Pedrosa me entusiasmou, talvez um pouco depois. Por exemplo, um cara que na época já fazia uma crítica muito pouco rigorosa era o Ferreira Gullar, e no entanto um texto dele, o sobre a teoria do não-objeto, pra mim marcou, entendeu? Eu não conseguiria mencionar nenhum equivalente a esse texto no caso do Mário Pedrosa.


N: Mas esse grupo, pelo que eu entendi, tinha um interesse em comum que era pensar a arte moderna no Brasil. Quem eram as referências brasileiras?

RN: O fato é que não temos uma tradição crítica, não é? Tínhamos uma atenção para com os melhores que havia. Mas enfim, eu acho que essa tentativa de pensar a história da arte brasileira não se deu muito a partir de um movimento de reatar com certa vertente interpretativa, pois esta não existia.

Se fosse para falar mais como depoimento temos que conversar muito mais sobre certos artistas do que sobre certas interpretações de críticos sobre artistas. Por exemplo, Ronaldo, que já era um crítico muito experimentado, tinha na cabeça Goeldi, Milton Dacosta, alguma coisa da Lygia Clark, do Hélio Oiticica. Adorava o Sérgio Camargo, que estava vivo e era muito amigo dele. Então vamos dizer assim, esse repensar era um pouco pensar o Portinari, o Di Cavalcanti e toda uma tradição populista, meio realista tacanha que dominava a arte brasileira e que de alguma maneira ainda domina. Tentar por no lugar pessoas que não existiam.

 
N: O quer faz de Greenberg, na sua opinião, o crítico de arte mais talentoso?

RN: Basicamente dizer o que é bom e o que não é no calor da hora e acertar. Claro, e dizer isso com argumentos. Eu acho que Greenberg é o caro mais talentoso que eu já vi para descrever um quadro e para dizer se aquela organização é relevante ou não. Por isso que eu acho besteira chamá-lo de formalista. Por que ele é formalista? Porque ele acha que qualquer desdobramento para além disso é arbitrário, no que ele tem uma certa razão. Neste ponto eu também não concordo muito com ele. Agora, não há nada mais materialista para um crítico do que dizer se uma obra é pertinente ou não. Porque esta escolha que é histórica. Não adianta você escrever um tratado super materialista com uma crítica de merd*.  Em última análise, se você quiser chamar isso de formalismo, Greenberg é sim formalista. Por que o Pollock era o melhor artista da época? Porque era o sujeito que mais dizia respeito a época, evidentemente. Isso é o materialismo em crítica: em cima do lance dizer isto é bom isto não é bom. E por mais que a análise se detenha no plano, linha, cor etc, evidentemente ela envolve dizer se aquilo faz avançar a cultura ou não.

E toda seleção da arte brasileira foi feita por pessoas que eram até sensíveis, mas que em geral literatos, e que fizeram uma seleção péssima. Quem fez esta seleção até os anos 60, 70? O Mário de Andrade, um pouco Murilo Mendes, um pouco Carlos Drummond de Andrade, o próprio Mário Pedrosa, o Oswald de Andrade. Eu acho que esses caras, por mais que estivessem preocupados com questões sociais, alguns mais nacionalistas outros menos, no fundo erraram. E no fundo mudou pouco, porque os professores continuam ensinando Portinari e Di Cavalcanti.     

 

N: Já que enveredamos para este assunto, afinal, o que é formalismo?

RN: Não há nada claro em relação ao que seja formalismo. No entanto, não há nada que circule mais hoje em dia do que este termo. Se você for tentar definir o formalismo por certas análises e filiações um deles é o Greenberg. Por esta universal identificação dele como formalista você poderia começar a entender o que isso significa: uma certa  recusa a fazer análise histórica da obra de arte. Então o que ele fala: “não interessa o que o trabalho de arte diz, interessa o que ele faz”. Então, numa primeira tentativa de definição, o formalismo seria esta interpretação da obra de arte a partir de certas relações internas.

Uma outra possível interpretação do formalismo seria identificá-lo com uma certa crítica modernista como Roger Fry (não entendi outros nomes). E ao identificá-lo com a crítica modernista ou com a própria arte moderna, também identificá-lo com a noção de autonomia da arte. Então qual é o corolário? É que em oposição ao formalismo você teria uma aproximação entre arte e vida.

Há quem me chame de formalista, por exemplo. Mas todo o meu esforço é tentar entender as relações das obras com a formação do Brasil. Quanto a esses caras, eu não acho que eles atrasaram em nada a vida de ninguém.

 
N: A noção de forma tem uma história que vai além da crítica de arte dita “formalista”. Nós queríamos tentar entender um pouco qual é a sua noção de forma...

RN: Olha, eu não tenho uma vocação teórica. Neste ponto, eu fico numa situação difícil. Quando eu estava falando da formação, uma coisa muito importante para mim foram os textos do Roberto Schwarz, que fazem análises formais extremamente sofisticadas e que têm um interesse muito grande em encontrar nesta forma certas relações com outros âmbitos da experiência. Isto também me interessa. Eu só não acho que seja possível descrever um método de fazer isso.

Agora, não me parece, ou pelo menos não me interessa, as formas artísticas que apenas, digamos assim, que  acolham ou mimetizem a experiência social. Eu acho que todos os grandes trabalhos de arte também têm uma espécie de dimensão prospectiva. Dizendo de maneira muito singela, eu acho que o que nos emociona em um trabalho de arte é esta espécie de dupla permeabilidade, ao mesmo tempo em que traz uma experiência muito concentrada e como que abrir isso para um buraco, uma dimensão do mundo. É como um milagre, você se emocionar com algo que tem três mil anos.

Eu acho que o complicado é achar que é possível fazer qualquer coisa que não tenha forma. Não falo do “informe” de Krauss e Yves-Alain Bois. O que acho uma coisa muito conservadora é voltar para uma arte narrativa, como foi boa parte da arte do século 19, em que você tem uma forma “rebaixada” e uma supervalorização do tema.         


N: Você parou de escrever sobre artistas e está escrevendo mais sobre o meio. Como é a relação entre o crítico e o artista?

RN: Eu basicamente espalhei para não ter encheção de saco que eu parei de fazer crítica de catálogo. Eu acho que é um espaço muito bom para quem está começando aprender a fazer análise de trabalhos, descrição e tal. Como  nosso meio ainda é muito pessoal, quando eu passei a ter um pouco mais de nome, se você quiser, isso passou a ser uma encheção de saco. Porque daqui a pouco minha vida era pautada pelo que os outros queriam de mim. Sem dizer que acho que esse espaço para mim foi ficando desinteressante, porque dificilmente você pode criticar alguém num texto de catálogo. Foi ficando desagradável, queriam de mim apenas o endosso. Com também se ganha muito pouco dinheiro com isso e como hoje em dia eu não preciso desse dinheiro hoje em dia porque eu vivo das minhas aulas, eu quis me livrar desse fardo. Então eu não faço mais nenhum.

Agora quando eu quero escrever sobre Nelson Félix, aquele trabalho quebrado, eu escrevi. O que eu não quero mais é ser pautado. Eu quero fazer as coisas que eu quero fazer, porque eu sou lento. Eu não abdiquei propriamente disso, vou ver exposições na medida do possível. E eu acho que quando eu tiver o que dizer nos lugares em que eu posso dizer eu faço.

 

N: Você [ainda] acompanha a produção de alguns artistas no ateliê?

RN: Claro que tem alguns. Há trabalhos pelos quais eu me interesso mais. Se por um lado há um certo amadorismo e informalidade no meio de arte, há um interesse que faz com que haja uma troca estimulante. Mas por outro lado isso acaba criando dificuldades. Porque de fato o meio é muito pessoal. Então criticar é muito dificil.

Então eu fico me perguntando se essas relações pessoais não vão, no futuro, gerar outros Portinaris. A atitude que se tem com Hélio Oiticica hoje é uma atitude tão laudatória quanto a de Mario de Andrade diante do Portinari. É claro que o Hélio é muito maior do que Portinari, mas não é possível lidar assim com o trabalho.

Estava na hora de pegar esses caras que já têm 60 anos, Fajardo, Zé Resende, Tunga, Waltércio Caldas, Iole de Freitas, Cildo Meirelles, por exemplo, e pegar um metro de cem centímetros e ver quantos centímetros eles têm. Eu cansei de ver teses, todo mundo faz teses sobre esses caras, mas em geral não há crítica. Eu acho que tem momentos muito irregulares nesses trabalhos e ninguém nunca falou disso. Falar talvez mas escrever.. eu pelo menos não tenho conhecimento. Eu acho isso um problema, você está criando cobras.


N: Como você vê suas apostas hoje em dia?

RN: Grosso modo, eu continuo apostando nos mesmos artistas. Agora uns foram para um lado, outros para outros, há artistas de que eu já gostei mais... Mas o que eu tenho me perguntado ultimamente é se os artistas mais significativos contemporâneos são maiores do que os artistas modernos mais significativos. E eu tendo a achar que não. Eu acho que ainda não há ninguém que tenha a densidade do Amílcar, do Volpi, do Camargo, Hélio, Lygia...

Curiosamente, um argumento que eu mesmo uso, o meio ficou mais complexo, tem mais gente produzindo, mas isso ainda não produziu trabalhos tão relevantes se comparados com a época mais heróica em que as pessoas tinham que lutar muito para fazer o trabalho, porque enfim não tinha mercado, não tinha nada.

O que eu estou chamando de fase heróica? As pessoas dificilmente viviam do próprio trabalho, acho que tinha ali um empenho que hoje em dia não se vê. Talvez também tenha que ser levado em conta que toda a arte contemporânea não é maior do que a arte moderna. Primeiro que ela é jovem, se você imaginar da Pop para frente, segundo porque é uma época grotesca, tá certo? O que é admirável no mundo? Qual é o grande escritor contemporâneo, se compararmos com os grandes escritores modernos? Eu parto desse princípio. Eu acho a situação muito confusa.


N: E tem a sua atividade como escritor - você poderia falar um pouco dela?

RN: Eu nunca tive em São José, onde eu vivi por 15 anos, nada com artes visuais e sempre tive vontade de escrever. Acho interessante tentar olhar o mundo com os olhos da crítica. As moças, o Big Brother...

Mesmo em arte, o que eu quero agora é tentar fazer uma coisa mais ensaística. Mas é uma situação difícil. Você é maltratado, os jornalistas te tratam pessimamente, se eu limpasse o chão eu ganhava muito mais. Eu vivo mesmo é das aulas.

 
N: Você é pessimista na sua análise das coisas hoje: tudo vai mal...

RN: Eu acho que a questão é mesmo no meio da confusão manter um certo rigor. Se a arte puder contribuir com alguma coisa é para gente poder delinear mais ou menos como é que as coisas estão. Porque o problema é que as coisas perderam muito o contorno. Essa coisa que o Argan falava, de que não existiria a arte moderna sem a idéia de revolução, é uma afirmação meio tosca mas é muito verdadeira. Não que Monet, Manet ou Matisse fossem revolucionários, mas tinham um norte definido. É o que no mercado chamam de tendência definida: a bolsa vai subir. E todos os grandes momentos foram momentos de tendência definida. O que a gente tem? Primeiro foram as mulheres, os loucos, agora são os excluídos, quer dizer, pára com isso cara, isso é conversa fiada.

Acho que a coisa está rolando mas nós não estamos entendendo. Não é a nostalgia da arte moderna. Eu fui formado na arte contemporânea. Nunca fui amigo de um artista moderno, conheci bem o Amílcar, a Mira, o Sérgio e eu gosto muito de ver.  É uma constatação. Qual é o reverso desse discurso que eu não quero fazer? Dizer que a arte morreu, como diz o Luizito [Luiz Renato Martins], os caras do Krisis. Bom então a arte morreu no século XVIII, no séc. XV, arte ruim tem em vários momentos.

Eu não acho absolutamente isso. Mas também não acho que a maré está para peixe. A melhor frase que eu conheço é aquela do Van Gogh: “O moinho não mais existe mas o vento permanece”. O que significa isso? A gente não criou uma forma que dê conta do vento. Não sabemos qual é o vento. O vento entendido como energia, como experiência social, relação entre as classes, como você quiser. Eu acho que a arte pode servir como moinho, tentar entender um pouco qual é a nossa experiência. Nesse sentido, eu acho que Andy Warhol ensinou um troço para gente: o negócio da imagem.

Agora tem essa coisa de ficar mais velho, começar a fazer escolhas, querendo fazer mais as minhas coisas. E o mercado tão poderoso eu não tenho o menor talento para isso. Não dá para fazer tudo: eu faço o que dá para fazer. Ao mesmo tempo eu tenho talvez uma crença ingênua de que a verdade triunfa. Eu acho o Serra o melhor artista do mundo e acho o Jeff Koons um horror. Também não gosto do Richter, sem dúvida o pintor mais bem-sucedido, mas isso não tem importância.

 

N: Com relação ao Serra e ao Koons, não seria uma questão de mudar de critérios? Os critérios não são históricos?

RN: Não entendo o que você quer dizer com critérios históricos. O que eu acho muito interessante no Serra é que simultaneamente o trabalho tem um certo anonimato, certa impessoalidade, um certo aspecto meio industrial extremamente interessante que possibilita experiências muito diferenciadas que são totalmente diferentes do anonimato das grandes cidades, da impessoalidade. Acho que ele usa elementos muito urbanos, um dos pouco artistas que faz arte pública, sendo que esse público ao invés de desqualificar sua relação com a cidade qualifica. Quando você se depara com o Serra no meio de uma cidade aquilo é um momento que a cidade é quase uma epifânia. Nesse sentido histórico, eu acho que é contemporâneo. Para mim arte é aquilo que amplia o campo da experiência da significação, enfim, empurra para frente. No caso do Koons, por exemplo, o cachorrinho que fica no Bilbao, eu acho simpático até, mas acho que, de alguma maneira, faz meta arte. E isto não me interessa. Mostra que de alguma maneira qualquer coisa hoje em dia pode ser arte. Uma espécie de discussão no interior da arte sobre o kitsch, o gosto corrente, que é um  pouco o limite que tem o Duchamp. Em resumo: eu acho que Duchamp precisa de um meio de arte para que ele funcione. Matisse precisa menos.

 
N: Então esse é um critério?

RN: Talvez seja um gosto pessoal. Eu não gosto de arte que discute arte. Eu prefiro arte que diz alguma coisa sobre as coisas. É um critério meu, não estou dizendo que é um critério universal. Estaria mentindo se dissesse o contrário. Eu concordo que o Andy Warhol é um pouco parecido com Koons, mas no primeiro há algo muito revelador. Ele sacou como o mundo passou a se mostrar. De alguma maneira tudo nele, a figura que ele construiu, a ausência de personalidade, tudo foi para, enfim, revelar uma espécie de encanto pelo consumo. Eu acho que aquele troço é arte, não acho que ele seja um colorista, não acho que ele seja um Matisse. Acho que o que ele faz tem um poder de revelação, ali tem uma novidade. Não é à toa que ele fez o primeiro movimento contemporâneo, na minha opinião. O Jeff Koons é um cara curioso, mas não acho que tenha essa envergadura.       

 
                                                                                                                                        [Entrevista realizada em Dezembro de 2005]